A agradável casa onde o escritor norte-americano morou em Cuba

É restrito a assinantes o que publiquei no Caderno de Sábado, a convite de Juremir Machado da Silva, sobre a estada de Hemingway em Cuba, evocando os cuidados de Oswaldo França Júnior na coleta de folhas das árvores na casa em que o escritor americano viveu. O diálogo do gato, 85 páginas, foi excluído pelos herdeiros. Oldemar Olsen Jr. sabe da história, como digo no artigo. John Hemingway, um dos netos do escritor, fez conferência em Passo Fundo (RS) numa das célebres Jornadas.

Atendendo a alguns confrades, eis o artigo, publicado em 2018.

Deonísio da Silva (*)

Cadeira 5

Confesso que achava engraçado o escritor Oswaldo França Júnior recolher folhas secas espalhadas ao redor da casa onde vivera Ernest Hemingway quando de nossa estada em Cuba em janeiro e fevereiro de 1985.

França, como o chamávamos, encheu uma mochila com estas folhas sob meus engraçados protestos: “no Brasil, moro perto de um bosque com árvores iguaizinhas a esta”. E acrescentei: “Se quiser mais algumas folhas, me visite em São Carlos”.

França não se conformava: “Justo você!”. “Por que ‘justo eu’?”. O escritor mineiro continuava: “Não sou professor de letras, sou piloto e mecânico de avião”.

E que se recusara a bombardear o Palácio Piratini onde Brizola estava entrincheirado com o povo na defesa da legalidade.

Ao voltar, contei esta história a Moacir Amâncio, a Luiz Fernando Emediato e a Geneton de Moraes Neto, entre outros.

A este último em entrevista que lhe dei, publicada no Jornal do Brasil, disse-lhe que, se ele tinha ficado surpreso com o que eu lhe contava da minha até então insuficientemente conhecida vida, ele deveria entrevistar Oswaldo França Júnior. Posteriormente li várias entrevistas em que o nosso França, pela primeira vez, narrava o ocorrido e o dilema que teve ao questionar os dois pilares das Forças Armadas, a disciplina e a hierarquia.

Sobre nossa estada em Cuba, nos rastros de Hemingway por curiosidade do meu amigo, uma vez que estávamos ali para o júri do Prêmio Casa de las Américas, Oswaldo França Júnior publicou pela Nova Fronteira o livro Recordações de Amar em Cuba, romance documental em que é possível identificar um a um personagens como Thiago de Mello, Carlos Nelson Coutinho, Frei Betto, Fernando Novaes e o autor deste artigo, que no romance é um sexólogo…Ironias do meu amigo!

França não era apenas leitor e fã de alguns escritores, mas devoto de muitos, como o era de Hemingway, que tinha recebido o Prêmio Nobel de Literatura quando Fidel Castro chegou ao poder em Cuba (1959), liderando os barbudos de Sierra Maestra para derrubar, com amplo apoio popular, a ditadura de Fulgêncio Batista.

Laureado com o Nobel em 1954, o escritor americano era vinte e sete anos mais velho do que o Comandante e morava na Ilha havia cerca de vinte anos. Tinha escrito em Cuba O Velho e o Mar, utilizado como referência solar e citado explicitamente nos dois argumentos para a concessão da prestigiosa láurea do Nobel: “o domínio das técnicas da arte de narrar e a influência exercida sobre a prosa contemporânea no mundo”.

Foi também o último livro que ele publicou em vida. Dois anos após o triunfo da Revolução Cubana, o escritor suicidava-se nos EUA, para onde voltara, dando um tiro na cabeça. Era o ano de 1961.

Conquanto fosse filho de pai suicida, décadas depois de sua morte soube-se que a história de que o FBI o perseguia e espionava, atribuída a devaneios depressivos do escritor, era verdadeira.

Hemingway, por esses estranhos paralelismos da História, matou-se com um tiro, não como o presidente Getúlio Vargas (da Academia Brasileira de Letras! Pois é…) três anos mais tarde, também com arma de fogo, que disparou sobre o mamilo esquerdo uma bala de calibre 32, dias depois de ter perguntado ao filho médico onde deveria mirar o revólver quem quisesse acertar o próprio coração com um tiro.

Hemingway disparou uma bala de calibre 12 na cabeça. Sinistros detalhes foram posteriormente explorados, como de que atirou na própria boca, mas a esposa Mary disse à polícia que o marido estava limpando a arma e que o tiro tinha sido acidental.

A polícia americana concluiu que Mary estava dormindo na hora da morte do marido. Ademais, Hemingway gostava de caçar, as armas lhe eram bem conhecidas e ele as manejava com precisão. Demonstra este conhecimento na sua prosa exuberante, como faz em Por quem os sinos dobram, que se passa durante a Guerra Civil Espanhola, trazida à baila de novo à mídia, desta vez por recente objeto de controvérsia: por que razão os ossos do vitorioso de Francisco Franco continuam sepultados junto aos de suas milhares de vítimas no Vale dos Caídos, a cerca de cinquenta km de Madrí?

Há muitos, mais que leitores e fãs, devotos de Hemingway no Brasil. Um deles é o jornalista e escritor catarinense Oldemar Olsen Jr., que talvez saiba onde foram parar as 85 páginas extirpadas de As Ilhas da Corrente, livro póstumo de Hemingway. Por acordo dos herdeiros com os editores, foi retirado do original um tal diálogo com o gato. Mistérios deles. Hemingway derrapou entre muitos porres tomados na famosa La Bodeguita del Medio (assim chamada por situar-se na metade da rua e não numa esquina), em Havana, ou não foi entendida o que fazia no livro o tal diálogo com o felino?

Havana e outras cidades cubanas têm boas lembranças de Hemingway. Ele e Cuba foram muito amigos.

(*) Escritor e professor federal, autor de “Avante, soldados: para trás”, entre outros livros.

Ernest Hemingway escreveu na ilha caribenha o seu grande sucesso “O Velho e o Mar”

Hemingway e sua mulher, Mary Welsh, em Cuba, em 1954

Hemingway na famosa La Bodeguita del Medio