Ao celebrar 123 anos do atual edifício, inaugurado em 5 de fevereiro de 1899 e ampliado em 1931, vale puxar da memória um pouco da sua história e do temperamento polêmico do ilhéu.

Lélia Pereira Nunes

Cadeira 26

Existe um lugar que é a vida e a alma de Florianópolis. Sim, é o Mercado Público. Sempre foi assim desde a primeira Praça do Mercado, aberta ao povo em 5 de janeiro de 1851. Ao celebrar 123 anos do atual edifício, inaugurado a 5 de fevereiro de 1899 e ampliado em 1931, vale puxar da memória um pouco da sua história e do temperamento polêmico do ilhéu. O anúncio da visita do imperador Dom Pedro II a Desterro, em outubro de 1845, causou desconforto. Como receber tão augusta visita numa vila malconservada, cuja praça central cheirava mal? Era ali e em barraquinhas à beira-mar que se reuniam pescadores, oleiros, colonos e vendedores, todos juntos e misturados, sem nenhum cuidado sanitário. A retirada das tais barraquinhas rendeu muita discussão sobre prós e contras. Foi mesmo um “puxa-empurra”, um “diz que diz”, inclusive pela imprensa, colocando em lados opostos os jornais, conforme os ventos partidários. Corria o ano de 1848, cem anos depois da chegada dos açorianos a Santa Catarina. Ainda em clima beligerante, foi aprovada a lei que autorizava a construção do Mercado no Largo do Palácio, junto ao mar. O governo promoveu toda sorte de campanha para levantar recursos – de rifas a pedidos de ajuda à população, passando o chapéu a todos… Porém, foi um grupo de comerciantes que compareceu, financiando a obra inaugurada em 1851. Desterro crescia e o Mercado foi ficando pequeno para tanta demanda; era preciso expandi-lo ou construir um novo edifício. Novas brigas – ou seriam as de sempre? A polêmica da hora era a escolha do local. O Partido Republicano (PR) defendia a construção no Largo da Alfândega e o Federalista queria o prédio na Praia de Fora. Venceu a proposta do PR e, em 5 de fevereiro, foi inaugurado o Mercado Público, no governo de Raulino Horn. Desde então, o Mercado passou a ser o nosso endereço oficial, o lugar onde a cidade se encontra e com o qual se identifica. Um dos ícones da Ilha de Santa Catarina e patrimônio cultural da nossa gente, o Mercado configura a identidade cultural da cidade – a cara de Florianópolis, bem-humorada e irreverente – e sempre polêmica.

Abro um breve parêntesis para dizer aos amigos do movimento Floripa Sustentável que se conformem, com esta memória desnudada ante os muitos “ires e vires” do Plano Diretor de Florianópolis, em constante discussão e ainda sem aprovação, impactando o desenho urbano de uma capital que é metrópole e que cresce vertiginosamente, de maneira caótica, densa, com uma ocupação territorial irregular e infraestrutura deficiente para assegurar qualidade de vida à população.

Cada vez que caminho pelo Mercado Público, sinto sua energia borbulhante. Do mesmo jeito que, aos cincos anos, andava por ali, de mãos dadas com a dinda Josefina Salem, espiando o movimento de um lado a outro. Hoje, encontro amigos e vejo muitas caras novas. O cheiro de ontem continua ali. Sem mais nem menos, do passado chega um balaio de recordações e de saudade, trazido nas asas imparáveis do tempo. O templo do povo continua firme, sem vergar, indissociável e muito amado nos seus 123 anos de história e vida.

Aliás, se fôssemos contar o tempo a partir do primeiro Mercado, teríamos celebrado 171 anos em janeiro… Opa! Não quero puxar o siri do balaio e trazer outro “diz que diz”.