Por que Olsen Jr. apenas e não Oldemar Olsen Jr.? Por razões literárias. O nosso Miro Morais é Altamiro de Morais Matos. E de Holdemar já havia o também escritor Holdemar Meneses, médico e professor da UFSC.

Sempre que preciso de alguma coisa realmente nova que não encontro em lugar algum, recorro ao Olsen, como o chamamos. De John dos Passos, o escritor português que dá nome a um avião da TAP, sobre quem precisei há alguns anos escrever um texto, e era um detalhe importante, foi ao Olsen que recorri.

Caprichoso editor, ele dirige a nossa Revista da Academia. Hoje, atendeu ao convite deste Coordenador, feito a todos, e enviou este precioso conto, escrito outrora especialmente para escritores ilhéus. (Deonísio da Silva)

DE VOLTA À ILHA

Olsen Jr. (*)

Deixei a minha bagagem na pequena pousada no centro da Vila e apressei-me em vir para cá. Em maio próximo fará 25 anos que entrevistei aqui mesmo, neste bar, o professor. Foi a última reportagem que fiz antes de voltar para concluir os meus estudos no Brasil.

Aquele costume de perseguir o boi pelas ruas do vilarejo durante a Semana Santa foi uma revelação para mim ainda mais para o idealismo do velho mestre.

Salvo por uma e outra rua pavimentada, acredito, pouca coisa mudou por aqui. Olho ao redor e não encontro ninguém conhecido, mas reconheço este ar familiar que carregam todos os habitués de botecos, certa prostração que os faz protagonistas de um destino que ninguém sabe explicar bem qual. Lembro de ter explicado a taberna como “…o local preferido para se tomar as grandes decisões comunitárias e outras particulares; onde se conhecia as últimas novidades da cidade grande; onde se maldizia a má sorte ao mesmo tempo em que aceitavam os seus desígnios; onde se afogavam as tristezas e se revigoravam sonhos; um lugar de breves despedidas e muitos encontros; um porto seguro em terra de ninguém onde a principal mercadoria de troca é a angústia humana; onde a solidão em grupo embota os sentidos e aguça os instintos, enfim, o bar era uma espécie de farol maldito indicando ao viajante incauto o falso caminho do paraíso”…

Final de tarde, fiz questão de vir direto para cá. Quero fazer uma surpresa para o professor, sei que ele costuma sentar naquela mesa do canto. Bebe a sua cerveja enquanto ouve as batidas das peças do jogo de dominó na mesa ao lado, aproveita então para fazer as anotações que geram suas crônicas e são publicadas no jornal da cidade de onde veio antes de se instalar ali no vilarejo. Depois de publicadas são afixadas num mural próximo a igreja, passagem obrigatória de todos os habitantes que frequentam o templo. Talvez o vínculo mais objetivo com a cultura e com o que acontece no mundo exterior sejam produtos desta iniciativa do professor com o pároco local.

A Vila é um hiato no tempo, daí porque decidi também eu, me isolar um pouco para escrever…

Estou com a estranha sensação de já ter vivido este momento. A penumbra do lugar, o vozerio difuso dos clientes, a mesa de dominó, parece tudo igual, mas está faltando alguma coisa, algo não vai bem naquele reconhecimento. Observo a mulher atrás do balcão, não a reconheço, na última vez era um senhor com cara de poucos amigos e ali no canto, sempre sozinho, um velho pescador aposentado que parecia ser o filósofo da comunidade, onde todos se consultavam antes da chegada do professor quando passou a dividir e somar a sua experiência de vida com o conhecimento acadêmico do outro. Era bom ouvir os dois trocando ideias.

Faz duas horas que estou aqui, tempo suficiente para fazer este pequeno balanço, mas também o necessário para me devolver a consciência de que já se passaram quase 25 anos. Peço outra cerveja enquanto ganho coragem para fazer a célebre pergunta que estou para fazer desde que cheguei “por que o professor está atrasado para o nosso bate-papo?”. Também “por que o velho pescador não chegou hoje como sempre fazia?”.

Quando saí na metade da noite, prometi que voltaria na manhã seguinte para tomar café e ouvir da proprietária a outra metade da história daqueles dois homens que fizeram parte da minha vida, em outros tempos, quando estava começando a minha como escritor, exilado e longe do meu País!

(*) OLSEN JR., advogado, jornalista e escritor brasileiro, Cadeira 11 da Academia Catarinense de Letras, é autor de livros relevantes, dos quais podem ser destacados Confissões de um Cínico (2002), O Burguês Engajado (2003), Discípulos de Ninguém – um convite à insubmissão (2014). Premiado diversas vezes, foi finalista do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.