Em um mundo cercado pelo imediatismo das redes sociais, o espaço e o tempo manipulados por um romancista são as ferramentas para revelar o real, sem preconceitos ou clichês. Essa é a forma como o professor Godofredo de Oliveira Neto, único catarinense membro ativo da Academia Brasileira de Letras (ABL), explica a vantagem dos livros frente a outras formas de expressão. Natural de Blumenau, o professor ocupa uma cadeira na ABL desde junho de 2022, representando Santa Catarina no seleto grupo de ‘imortais’ – que conta hoje com nomes como Gilberto Gil, Fernanda Montenegro, Paulo Coelho, Ruy Castro e Fernando Henrique Cardoso.

O professor ministrou, na última quinta-feira, 25 de maio, a conferência O livro como testemunho da história, às 19h, no Auditório da Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. O evento, aberto ao público, foi promovido pela reitoria e pela Editora da UFSC. Além da conferência, o professor Godofredo ministrou palestra durante o lançamento do livro Guerra do Contestado Ilustrada, na Igrejinha da UFSC, na sexta-feira, 26 de maio.

Por e-mail, o professor Godofredo – também membro da Academia Catarinense de Letras (ACL) – respondeu a algumas perguntas da Agência de Comunicação (Agecom) da UFSC:

Qual testemunho da história um livro ainda pode trazer que outros meios, como mídias sociais, não contemplam?

O romance escapa das leis do espaço e do tempo humanos, isso já faz uma diferença enorme. Talvez bem mais do que tentar estabelecer uma relação com a História, leia-se o real, o escritor tenta escapar do destino humano. O artista está a serviço da verdade e da liberdade, penso em Camus. Esses meios sociais a que você se refere passam informações preciosas, mas mostram o real sem tirar dele o sentido encoberto pelos preconceitos, pelas ideias herdadas, pelos clichês, pelas ideologias. A Literatura faz o leitor descobrir a História, o real, na sua complexidade, mas porque o obriga a descobrir uma realidade que está longe daquela em que ele vive. Leitores e leitoras se tornam leitores deles próprios e descobrem uma verdade que lhes escapava. Essa é a verdade e a liberdade que a Literatura traz.

Em seu discurso de posse na ABL, o senhor cita Cruz e Sousa e Anita Garibaldi, dizendo que esses personagens da história catarinense têm alcançado o espaço que lhes pertence. Ainda falta muito para a fama a que fazem jus?

Cruz e Sousa e Anita Garibaldi são ícones da cultura nacional. A repercussão dos seus feitos históricos e culturais são cada vez mais aplaudidos e venerados. Os movimentos sociais, no caso o movimento negro e o feminismo, contribuíram e vem contribuindo para essa reverberação fora do espaço apenas catarinense. Mas não só, claro. As Academias, a Universidade, instituições culturais públicas e privadas do nosso Estado também foram fundamentais para essa consideração e deferência no Brasil. O dado interessante da história é que num Estado com protagonismo preponderantemente masculino seja uma mulher a ocupar esse pódio glorioso rsrsr. E também, num Estado com pequeno percentual de afrodescendentes, seja Cruz e Sousa o maior expoente da literatura catarinense, assim reconhecido no Brasil e no mundo. Veja-se o artigo de Roger Bastide que põe Cruz e Sousa entre os três maiores simbolistas do mundo, com, nada mais, nada menos, Mallarmé e Stefan Georg. A roda do Fado gira do jeito que ela quer.

Qual a análise do professor sobre a produção literária brasileira e catarinense da atualidade?

A Literatura Catarinense vive um grande boom. As universidades catarinenses e a Academia Catarinense de Letras (ACL) vêm acompanhando essa tendência. Uma editora de porte internacional recém-instalada no Brasil, a Almedina, publica regularmente autores do Estado, com a intermediação do professor Deonísio da Silva, da ACL. A Literatura Brasileira em geral também vive esse estado de relativamente graça. Digo relativamente porque faltam mais leitores. Cabe às autoridades na área de educação promover a volta maciça da Literatura nas escolas visando a formar leitores e cidadãos e cidadãs críticos e competentes. Mas, cabe também ressaltar, é papel fundamental das universidades formadoras de professores ajustar o ensino de Língua e Literatura à sua grade curricular numa fusão mais evidente. Me parece que a volta das antologias às escolas se impõe. Estão ali a verdade e a liberdade a que o alunato tem direito.

(Salvador Gomes / jornalista da Agecom / UFSC)