A ACL publica mais um texto de um de seus acadêmicos. Desta vez, um poema do professor e escritor José Isaac Pilati, dedicado ao neto, Gustavo. Boa leitura!

A poesia na Criação

José Isaac Pilati

Do vovô para o Gustavo

(26 de setembro de 2021)

A bíblia fala do espírito das águas

assim as facas têm o fio, que é o que as consagra,

e no repouso, a bainha em que se guardam

as serventias dos espíritos cortantes.

Vieram das águas as cantigas primordiais

a ressonar em cavidades as canções,

a vir do nada o eco mágico, a poesia,

assim saudade em nossos cavos corações.

É desse canto da matéria contra o nada,

num tédio eterno das cantigas sem chegada,

que o nosso espírito mortal boceja flores,

e se credita melhor sorte que as abelhas.

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As águas trazem na libido a incontinência

as inquietudes dos desejos amorosos:

pra dar-se em fonte, estar na flor e ser o fruto

bancar-se corpo, estar no gozo e ser o filho.

As águas têm no território em que se espalham

a lucidez que está nos corpos, e trabalha,

destinos cegos de uma febre universal,

que está no rio, está na chuva, em toda a parte.

As águas trazem na memória as substâncias

e então dialogam quais formigas nos carreiros

e até discursam pros desígnios dos hormônios

pois que dominam os segredos subterrâneos.

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As águas julgam por direito natural

porque carregam os desígnios da equidade,

como formigas na expressão das quantidades,

como as abelhas nas canções que a cera abriga

Enfim, as águas organizam-se em bacias,

são nacionais e universais ao mesmo tempo,

cumprem a regra em cada estado em que se albergam,

no céu, na terra, até no mar, em toda parte.

As águas trazem a pureza da unidade

e a impureza da matéria em que se encarnam

e assim impuras são divinas e humanas

como um espelho para o céu e a nossa alma.


Fotografia: Vale dos Vinhedos/RS. Autor: Paulo de Tarso Brandão, In: Poesia capturada (2021).